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Educação inclusiva para a síndrome de Down: o que falta?

A educação nunca foi - efetivamente - inclusiva. Torná-la inclusiva é um desafio que requer romper as estruturas educacionais que visam formar jovens competitivos para um mercado de trabalho altamente desafiador. Então, como ficam, nesse mundo de rivalidades, as crianças e jovens com síndrome de Down? Há um espaço para a inclusão da pessoa com deficiência intelectual na escola atual?


Historicamente, o acesso ao ensino nunca foi um direito para todos. Na Grécia Antiga, por exemplo, a educação das meninas ocorria, na sua maior parte, em casa. Já, os meninos podiam frequentar os ambientes pedagógicos, contavam com pedagogos que lhes ensinavam a se tornar cidadãos e, depois, frequentavam o ensino para alguma formação militar. Não é à toa que só conhecemos "filósofos gregos" e não "filósofas gregas", não é mesmo?


Estátua de filósofo da Antiga Grécia
Estátua do filósofo grego Heródoto

Saiba mais sobre a educação na Grécia Antiga no link


Em toda a Idade Média, a educação foi ofertada por instituições religiosas (mosteiros, igrejas, colégios religiosos). Nesse período, a educação era restrita a pessoas privilegiadas, da nobreza ou do clero e quase exclusivamente voltada à educação dos homens. As mulheres eram excluídas do processo de formação fora de casa, recebendo sua educação exclusivamente no ambiente familiar. Na Idade Média também não havia nenhuma preocupação quanto à educação das pessoas com deficiência, consideradas, neste período histórico, pessoas doentes ou com algum grau de imbecilidade (pessoa desprovida de capacidade).


Biblioteca da Idade Média
Biblioteca na Idade Média

Foi, somente, com a Modernidade (avanço da ciência e da laicização, desenvolvimento das cidades, surgimento da burguesia, valorização do ser humano) que a educação começou a se renovar. Com a renovação na educação, foi possível o surgimento de uma nova pedagogia mais preocupada com o desenvolvimento de todos os seres humanos. Mesmo assim, com vários processos de desenvolvimento, foi somente a partir do século XX que começaram a surgir os movimentos em prol da inclusão da pessoa com deficiência. Os primeiros movimentos de inclusão de minorias, no entanto, começam a surgir antes. O primeiro grande movimento é o da inclusão das mulheres. A partir do Iluminismo (1685) é que começam a surgir os primeiros pensadores, incluindo mulheres, que defendem que as mulheres também têm direito aos estudos. Mas, o processo de inclusão das mulheres nas escolas ainda levou um bom tempo. Até mesmo hoje, muitas meninas não chegam a terminar o ciclo de estudos básico e o acesso à educação para as mulheres ainda é negado em várias sociedades e culturas.


Outro movimento de inclusão na educação foi o movimento de resistência negra. Esse movimento é marcado por grandes processos de exclusão e de violência, parte deles devido à escravidão. Nos EUA, somente em 1957 alunos negros puderam frequentar as escolas regulares, antes frequentadas somente por alunos brancos. Leia a respeito no link https://www.dw.com/pt-br/1957-escolares-negros-escoltados-nos-eua/a-263358


No Brasil, o processo também foi lento. A primeira reforma escolar brasileira que visava uma certa inclusão é de 1854 (Reforma Couto Ferraz, decreto 1.331A de 17 de fevereiro de 1854), que instituía a escola obrigatória para todas as crianças maiores de 07 anos, exceto as crianças com moléstias (incluindo as crianças com deficiências) e as crianças escravas. Com o fim do regime da escravidão e com a proclamação da República é que surgem as primeiras escolas de ensino popular, muitas delas com o objetivo de formar mão de obra. Foi nesse período que surgiram as primeiras oportunidades de educação escolar para a população negra no Brasil.


E a educação da pessoa com deficiência?


Em 1948, a ONU promulgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse documento reafirmou o direito básico de todo ser humano, incluindo a educação. Foi um documento que impulsionou a criação das primeiras políticas públicas para as pessoas com deficiência e demais minorias. Desde então, foram elaboradas inúmeras leis com o objetivo de garantir os direitos das pessoas com deficiência. Um dos documentos mais importantes é a Declaração de Salamanca (1994). Pode ser lida aqui https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000139394


Na Declaração de Salamanca reafirmou-se que toda criança tem direito à educação e que deve ser garantido a toda criança, sem nenhuma exceção, o acesso à educação no ensino regular.


Crianças na escola.
Lugar de criança é na escola.

No Brasil, a principal lei que garante a inclusão é a Lei 13.146, de 06 de julho de 2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência. Nela, está previsto que "Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: I - sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida". A Lei 13.146 é uma lei federal, isso significa que é válida para todos os Estados brasileiros, para todos os Municípios. No entanto, o que ocorre, na prática, é que cada Estado e cada Município regulamenta, por sua vez, a sua própria oferta educacional, muitas vezes - infelizmente - descumprindo a lei federal ou criando barreiras que impedem o acesso da pessoa com deficiência à educação. E, o que é pior, cada governo age para criar a sua personalíssima política de oferta educacional. Assim, a cada 4 anos (ou a cada mudança de governador ou prefeito) mudam as práticas, muda o sistema, muda a oferta de ensino, muda a perspectiva pedagógica, muda a escola, muda o professor, muda tudo. Conclui-se que não existe uma política de inclusão, mas existem programas políticos de educação especial ou de educação inclusiva, de acordo com as ideologias ou grupos de interesse ligados a cada político.


Além disso, os serviços ofertados pelo Estado, no caso, em cada unidade da federação ou em cada município, têm tido pouca eficiência. Uma evidência disso está no aumento da judicialização da educação especial e inclusiva. Outras evidências são a pouca confiança das famílias nas escolas e no sistema educacional especial e/ou inclusivo de modo geral, o baixíssimo índice de empregabilidade da pessoa com síndrome de Down e o reduzido número de jovens com síndrome de Down que concluem o ensino médio alfabetizados.


Um exemplo de serviço ofertado no âmbito da educação inclusiva que gera pouco ou nenhum resultado para o aluno com síndrome de Down é o AEE (Atendimento Educacional Especializado). De modo geral, o AEE é ofertado no contraturno do ensino regular, ou seja, se o aluno tem aulas pela manhã, o AEE é ofertado à tarde. O AEE é ofertado em salas de recursos que, normalmente, são espaços multifuncionais localizados nas unidades escolares. O AEE é ofertado por um professor com especialização. Cabe ao gestor (normalmente um diretor escolar) a definição sobre a disponibilização de AEE ou não. Na prática, o gestor deve acionar a secretaria de educação ou órgão competente e solicitar a inclusão do AEE na sua unidade escolar. Cabe também ao gestor solicitar a contratação do professor especializado e realizar a compra dos materiais didáticos para a sala de recursos. Cabe, também, ao gestor da unidade escolar definir como e de que forma serão alocados estes recursos. Assim, o município ou a unidade federativa (estado) acaba não organizando a oferta do AEE e isso acarreta a oferta desorganizada desse serviço. Há escolas que oferecem, há escolas que não oferecem. Há até no site governamental a lista das escolas com AEE. A figura abaixo foi extraída do link https://deleste1.educacao.sp.gov.br/escolas-que-possuem-atendimento-educacional-especializado-sala-de-recursos/ no dia 22/01/2023.


Escolas que possuem AEE

Como as matrículas são organizadas pelo Estado (por meio de um sistema interno), os alunos são alocados para as mais variadas escolas, normalmente na região ou bairro da residência. Porém, isso não significa que o aluno com deficiência, por exemplo, irá ser alocado para uma escola com oferta de AEE. Na prática, o aluno deverá, se quiser, pedir a transferência da sua matrícula para uma escola com AEE que, nem sempre, fica próxima da residência.


Outro problema do AEE é o contraturno. Parte dos alunos com deficiência intelectual pode ter dificuldades com mudanças. Isso pode acontecer em maior ou menor grau como acontece com qualquer pessoa. Há casos de alunos autistas que precisam de rotinas rígidas. Há casos de alunos com síndrome de Down que apresentam resistência a mudança de ambientes, a mudança de horários, à troca de professores, por exemplo. Assim é com a rotina no contraturno. Muitas famílias reclamam do fato de que o aluno vai para a escola no período da manhã. Termina o período. Volta para casa e após algumas horas tem que refazer o percurso de ir para a unidade escolar. Esse tipo de situação, para o aluno com deficiência intelectual, nem sempre é produtivo, uma vez que as idas e vindas podem representar momentos de insegurança. Lembre-se: a pessoa com alguma deficiência intelectual pode não saber expressar essa insegurança diante de uma situação nova, por isso pode parecer que ela é teimosa ou que ela não quer fazer as coisas. Na verdade, essa "teimosia" representa uma insegurança diante do desconhecido que a pessoa com síndrome de Down tem dificuldade de expressar. Um texto muito bom sobre isso pode ser lido no link https://www.inclusive.org.br/arquivos/14055


Sendo assim, as idas e vindas, ou seja, as mudanças nas rotinas acabam por se tornar pouco produtivas. O tempo que se gasta no transporte para, às vezes, realizar 60 minutos de tarefas no AEE não compensa quanto ao processo de inclusão do aluno com síndrome de Down. O impacto que o AEE tem nos alunos com deficiência intelectual não é positivo, é o que afirma um estudo realizado por Salvini, Pontes, Rodrigues & Silva (2019). O estudo analisa o impacto do AEE em 13 classificações de NEE (Necessidades Educacionais Especiais). Em 12 delas, o impacto tem efeito positivo, ou seja, o AEE ajudou os alunos a avançarem nos anos escolares e a se desenvolverem, propiciando mais inclusão. O único caso com impacto negativo é a deficiência intelectual. O AEE pode se demonstrar pouco efetivo para a deficiência intelectual, e pode contribuir até mesmo para o atraso escolar. O estudo está disponível no link https://doi.org/10.1590/0101-41614934rrcm acessado no dia 22/01/2023.


Outro serviço ofertado pelo Estado que tem resultados insatisfatórios para o aluno com síndrome de Down é o de cuidadores. Os cuidadores são, normalmente, profissionais de apoio. O apoio não é pedagógico, ou seja, é um apoio às atividades diárias (subir escadas, ir ao banheiro, realizar a higiene bucal ou íntima, por exemplo). Existe um limbo na legislação que regulamenta a oferta desse profissional. Ele é um profissional da saúde ou é da educação? Ele tem que ter que tipo de especialização: sanitária, social, pedagógica ou todos? Se ele é da saúde, quem irá se responsabilizar por sua atuação dentro de um espaço educacional. Se ele é da educação, como poderá ter incumbências da área da saúde como ministrar medicamentos, por exemplo? No dia a dia o que ocorre é que muitas vezes a unidade escolar acaba recebendo um profissional de apoio sem especialização ou sem capacitação. E isso nem sempre é suficiente. Além disso, muitas unidades escolares têm negado o cuidador para o aluno com síndrome de Down, baseando essa decisão no fato de que é importante promover a autonomia do aluno com deficiência. Mas, para que essa autonomia ocorra, é necessário que um adulto auxilie, não é mesmo?


Enfim, são variados os obstáculos que o aluno com síndrome de Down encontra no processo de escolarização: do preconceito à total falta de acessibilidade. Basta dizer que não existe sequer um livro (de história, de geografia, de matemática, etc.) com linguagem simples e acessível para o aluno com síndrome de Down. Nenhum. Zero absoluto. Fica a cargo do professor adaptar os conteúdos da sua matéria para os seus alunos. Mas, como sempre, raras exceções, o professor não adapta. É bastante comum a escola entregar um caderno com várias páginas impressas da internet com exercícios genéricos (ligue os pontinhos, pinte a flor, copie a Letra A...). Vale lembrar que isso NÃO É ADAPTAÇÃO.


Jovem com síndrome de Down
Jovem com síndrome de Down


Por último, certamente existe um espaço para o aluno com síndrome de Down na escola regular, mas é necessário que as políticas públicas para a educação especial e para a educação inclusiva recebam atenção e recursos. A atenção diz respeito a considerar ações que combatam o preconceito entre diretores, professores e demais profissionais. Os recursos dizem respeito à acessibilidade: comunicacional, recursos didáticos, espaços adaptados, profissionais especializados. Ao invés de uma sala de recursos exclusiva, é preciso que se coloque em cada classe um professor com especialização para todos os alunos, ou seja, que cada classe tenha dois professores, um professor regente e um professor com especialização. No lugar de folhas fotocopiadas da internet, é necessário que sejam disponibilizados livros e materiais em linguagem acessível, para cada ano escolar (da educação infantil ao ensino médio). No lugar de atendimento esporádico que muda a cada prefeito ou secretário da educação, um política pública de fato de Estado.












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